CRÍTICA: REVOLVER

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Revolver: obra palimpsesta e engravidada de contrastadas e díspares belezas, que não apenas remetem à origem.

Obra absolutamente amparada em diversos expedientes do teatro épico, Revolver, apresentado pelo Coletivo Negro (SP), caracterizou-se em grande e arrebatador momento da II Mostra de Teatro de Heliópolis: a Periferia em Cena. Revolver é espetáculo que tenta recuperar momento de diáspora (e não apenas de povos negros, mas, – e sobretudo – de imenso contingente de gente que se desconhece na condição de história e de origem. A cena é dominada por um imenso baobá (magistral criação de Júlio Dojscar): um totem-configurado árvore, cujo tronco parece encontrar-se engravidado de tecnologia pré-figurante da engenharia genética tão distante e infensa à totalidade das pessoas cujo acesso ao mínimo e essencial ainda espera por eclodir. A árvore-símbolo, assim como a inquietante e bela obra, intenta uma pluralidade de movimentos e suspensões polifônicas em direção à… Espetáculo palimpsesto a cuja nova camada antropológica, estética, poética, épica… apenas remete à seguinte, sem promover uma síntese mais blindante ou acolhedora quanto à explicitação dos sentidos e sensos, grandemente atávicos.

Fruto do chamado processo colaborativo, Revolver, cujos expedientes remetem às proposições seminais vividas e experimentadas, sobretudo, na Escola Livre de Teatro de Santo André (SP) escoram-se em um denso processo de pesquisa e organizam-se, na condição de narrativa épica, em significativo processo de imbricamentos poéticos: no texto, na interpretação, na musicalidade, na visualidade… tudo orquestrado em potência negra-épica-feminina por Aysha Nascimento, em grande momento de criação.

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Denso processo de teatralidade, Revolver estrutura-se em poesia de origem (a obra, do ponto de vista de narrativa, caracteriza-se em uma espécie de cantata repentista), cujos versos e imagens apresentam a criação de um jovem – entretanto, maduro – poeta: Rudnei Borges. A poesia épica apresentada por Flavio Rodrigues e Rafhael Garcia têm momentos de verdadeiro estupor!!! Intérpretes têm amplo domínio de si e do que apresentam, tanto como intérpretes como atores que se posicionam com relação aos assuntos constitutivos da obra. Algumas vezes, a obra se “enrosca” entre a revelação da criação poética e alguma bela imagem estética (e elas são muitas no espetáculo), mas isso, é seguro, não “atrapalha” a criação de uma obra que está a buscar os caminhos poéticos para que a beleza estética venha em sua potência total.

Mais do que “apenas” os caminhos de criação da periferia (e as potências nesse meio são infindas, porque as dificuldades do viver de modo digno são cada vez mais densos e difíceis), ao finalizar com Revolver, a II Mostra de Teatro de Heliópolis: a Periferia em Cena, detona, mais uma vez, seu gatilho em direção ao presente engravidado… Assim como o Brasil-todinho-periférico, Revolver quer – e consegue – “apenas” existir e propor momentos de interlocução que transcendem o estético!

Por: Alexandre Mate *
Fotos: Geovanna Gelan

* Professor-pesquisador do programa de pós-graduação, do Instituto de Artes da Unesp, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho.

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