Apresentação

A cumplicidade em ato das gentes da periferia e suas obras teatrais fazendo História.

Fracassei em tudo o que tentei na vida./ Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui./ Tentei salvar os índios, não consegui./ Tentei fazer uma universidade séria e fracassei./ Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei./Mas os fracassos são minhas vitórias./ Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.
Darcy Ribeiro.

Querendo ou não, gostando ou não: o Brasil é um país periférico. É um país distante dos centros promotores das ações que costumam se espraiar naturalizadas, para atender às necessidades apenas de seus criadores e seus capangas: “lobtichos” em pele [de carniceiros, isto é, em pelancas] de cordeiro. Além de estar distante dos centros de poder, países como o Brasil – porque por aqui alguns, de tempos em tempos, têm sonhos de grandeza –, tem sido colocado em seu devido lugar… Caetano Veloso na música Língua lembrou que um dos lócus prediletos dos tiranos é essa nossa republiqueta…

As gentes que se acham longe da periferia – em qualquer lugarejo com vocação tirânica – copia o que vem daqueles centros e se sentem reconfortadas com o fetiche-ilusionista quanto a se sentir fazendo parte do melhor dos mundos… Tristes esses nossos trópicos, porque os de arriba e os de abajo (estes identificados com aqueles) vivem de cópia da cópia.

Certo tipo de teatro também segue essa “tendência”. Gente que julga, promove curadorias e pontifica sobre a produção teatral, normalmente, toma a linha do drama como hegemônica e – mesmo sem conhecer – desqualifica aquela outra e enorme produção teatral que se desenvolve à margem, naquelas periferias mais distantes da periferia, que é o centro. O mais curioso, se se puder apresentar a questão desse modo, com algumas invencionices formais, o dito teatro experimental, sobretudo aquele produzido pelos “gênios incompreendidos” é aceito e incondicionalmente louvado. Este, tantas vezes, adota, exatamente, as invencionices do outro (e desconhecido) teatro, produzido à margem da periferia central.

Como os assuntos das gentes que se sabem na periferia e à margem derivam de outras e contraditórias camadas da história – e não concernem à problemática da chamada intersubjetividade (ainda que algumas vezes, em doses mais controladas, isso possa ocorrer), evidentemente que a forma e seus achados vêm carregados de criações e proposições interessantes, sempre partilhadas e criadas com o público. Teatro de cumplicidade em ato.

A II Mostra de Teatro Heliópolis: a Periferia em Cena, nesta edição – e por falta de aporte econômico -, foi organizada com coletivos parceiros. Isto é, coletivos que participam sem cachês. Em três dias de atividades, sete importantes coletivos da cidade, e a partir de diferentes tratamentos poéticos e estéticos (palhaçaria, bonecaria, poesia, musicalidade), apresentam seus trabalhos com o sentido de atilar a crítica, propor diferentes formas de diversão, irradiar entretenimento. Juntos em recantos diversos da Zona Sul da cidade de São Paulo – e tendo como epicentro a comunidade de Heliópolis -, os espetáculos mostrarão a força do teatro de grupo identificados como periféricos, para criar fissuras de trocas e de interlocução com obras cujas personagens correspondem àquelas, elas mesmas, na área do público.

Agradecemos e louvamos os grupos parceiros e, por intermédio de mais esta ação, renovamos a força para a caminhada e a continuidade da luta!! Assim como o professor Darcy Ribeiro, não queremos estar no lugar daqueles que por ações concretas, esgares, silêncios tentam nos colocar por debaixo do tapete da História!

Alexandre Mate – Curador