CRÍTICA: TAIÔ

Taiô: uma linda epifania em dia frio e cinzento em um dos infindos corações da comunidade de Heliópolis.

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A comunidade de Heliópolis fica em uma imensa área, entre a zona Sul da cidade de São Paulo e o município de São Caetano do Sul. O lindíssimo espetáculo Taiô, apresentado pela tradicional Cia. do Miolo (SP), foi programado para apresentar-se em algum ponto da imensa comunidade de Heliópolis. Exatamente no entrecruzamento de duas ruas, uma delas é chamada de Rua da Alegria. O dia estava muito cinza e a temperatura abaixo dos 20◦C. Bem defronte a uma escola de educação infantil, chamada Zezinho, o elenco – bastante afinado, com destaque à atriz Edi Cardoso –, apesar de tantas dificuldades climáticas e de permanência naquele local, conseguiu fazer com que muitos de nós que lá estávamos conseguíssemos vislumbrar a necessidade quanto à libertação de nossos pipas, e não apenas interiores…

O texto, muito poético, de Jé Oliveira, é costurado a partir da junção de metáforas que incitam à liberdade e ao desafio permanente quanto ao enfrentamento dos ventos permanentes. Na obra, o pipa tem funções alegóricas, representando o fragilíssimo objeto de papel de seda, que enfrenta e desafia as leis e não apenas da gravidade; concerne aos nossos sonhos de libertação e de busca de cenários mais aprazíveis ao viver patilhado-em-sonhos; provoca quanto à busca de parcerias significativas…

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O domingo foi de eleições municipais em São Paulo, e, mesmo sem conhecer a comunidade – em suas dinâmicas mais características -, o espetáculo foi apresentado em meio a um clima muito nervoso! Muitas motos passavam ao lado do espetáculo, em movimentos constantes (em determinado momento um dos motoqueiros foi ameaçado com arma por dois outros…); em poste próximo parece que alguém fazia um “gato”, em plena luz do dia; entulho era depositado ao lado do espaço de representação; alguns carros, com equipamentos de som (altíssimo), insistiam em passar pelo local… Tudo muito extremado, tudo muito violento (tornado natural para aquela comunidade).

Desse conjunto dispare de disputa lancinante, porque era disso que se tratava (e aquela comunidade tem donos, em permanente processo de disputa entre si!!), a obra não se deixou afetar e/ou trouxe tais apelos para a cena: a beleza do texto e das imagens criadas por Renata Lemes seguiam seu fluxo criador… De certo modo, o espetáculo manteve-se fiel à sua partitura inicial. Portanto, e tendo em vista as características intrínsecas de obra de rua, seria fundamental incorporar algumas das características das ruas e incorporá-las à obra, sobretudo em razão de o protagonismo acolher também a cidade e seus transeuntes. Em dois momentos distintos, o elenco divide-se e apresenta curtas narrativas para um número menor de pessoas… nesse momento, talvez, os contrastes pudessem ser anunciados… Durante vários momentos, senti-me dividido entre o estético e o poético (agressivo) das ruas.

Para finalizar, o momento de apresentação da obra foi belo: período de suspensão de tantas e vivas contradições social para antever o lírico escondido na vida de tantas pessoas, em concreta situação de risco e perigo, e sob ameaça permanente! Cumprimento vivamente o conjunto criador por momento tão belo e tão necessariamente necessário para colorir nossas pálidas faces… “Aurora, entretanto, eu te diviso!”

Por: Alexandre Mate *
Fotos: Geovanna Gelan

* Professor-pesquisador do programa de pós-graduação, do Instituto de Artes da Unesp, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”.

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