Ciclistas bonequeiros – Trilogia Circo,
por Carolina Angrisani.
por Carolina Angrisani.
Com mais de uma década de existência, os Ciclistas Bonequeiros apresentam-se em espaços públicos, facilitando o acesso às artes e intervindo no cotidiano de forma poética e bem humorada. Mini teatros, chamados de teatro lambe-lambe, são montados nas garupas de bicicletas, e as histórias são apresentadas a um/a espectador/a por vez. O nome é uma referência aos fotógrafos ambulantes que ocupavam praças, feiras e parques no início do século passado para um registro fotográfico 3×4 ou em família. Na época, ficaram conhecidos como fotógrafos lambe-lambe porque eram observados “lambendo” a fotografia para averiguar a fixação e lavagem, garantindo uma foto de melhor qualidade, e foram responsáveis pela popularização da fotografia.
Desta vez, os Ciclistas Bonequeiros estacionaram suas bicicletas na pracinha da rua Framboesa em Heliópolis, na ocasião da IV Mostra de Teatro Heliópolis, e foram logo “montando a lona” com a Trilogia Circo, composta por três caixas cênicas com as histórias: “Quando o circo chega na cidade”, apresentada por Thauana Oliveira, “O camarim do palhaço”, contada por Bruna Burkert e “O circo de pulgas”, narrada por Gustavo Guimarães Gonçalves, que assina os textos e a direção do trabalho.
Atenção criançada! O circo chegou! Essa forma popular de cultura milenar, embora tenha passado por inúmeras transformações com o passar do tempo, sempre atraiu a atenção e o interesse de pessoas, das mais variadas camadas sociais, pelos vilarejos e praças públicas por onde passam. Quem nunca se encantou com a presença de um circo no bairro?
Em Heliópolis, não foi diferente, com olhares atentos e curiosos e um sorriso suspenso no ar, aos poucos, adultos e crianças são tomados pela atmosfera lúdica que é instaurada pela presença das bicicletas em forma de pequenas instalações circenses. Rapidamente, a fila se forma, e as primeiras crianças garantem os seus lugares, cochichos e gargalhadas instigam ainda mais a vontade de que chegue logo a nossa vez. – Quero ver de novo! Anunciou Miguel, um garoto de quatro anos que parecia estar hipnotizado com a beleza que se apresentava diante de seus olhos.
O convite, que é feito ao espectador/a ao sentar-se e acomodar-se diante de cada uma das caixas cênicas, nos faz lembrar os últimos ajustes antes do registro fotográfico. “Qual o seu nome?”, “pode sentar aqui”, “se precisar pode afastar mais a cadeira”, “um pouco mais pra cima”, “isso, mais pro lado”. O que garante um contato mais próximo com cada artista responsável por contar as histórias. Ao sentar-se, cada espectador/a recebe um fone de ouvido, a cortina se abre e a apresentação começa.
Cada uma das caixas cênicas e cada artista trazem poesias distintas, contudom o estado de encantamento é certo diante da delicadeza dos movimentos, do cuidado com cada um dos objetos em miniatura que ganham vida em pequenas histórias que nos fazem rir e emocionar.
Em “Quando o circo chega na cidade”, a artista desaparece por trás de um tecido de veludo vermelho (como faziam os fotógrafos lambe-lambe), a cortina se abre ao som de uma trilha circense, o circo chega, o clima de romance está no ar, um rapaz, uma moça, roda gigante, maçã do amor e carrossel. Na despedida, tudo desaparece aos poucos até que o circo deixe a cidade. Aqui não há texto narrativo, a dramaturgia fica por conta da nossa imaginação, que completa as lacunas deixadas pelas imagens e da memória que é acionada pelos elementos ali presentes.
“No Camarim do palhaço”, somos convidados a bisbilhotar por uma fresta, o que acontece fora dos palcos. Desta vez, uma voz em off narra a história com fundo musical circense. Um espelho permite olhar cada detalhe dentro da caixa: uma cadeira de balanço vazia, uma penteadeira e um enorme relógio marcando quase cinco horas. O palhaço chega. Toca gaita. A voz no ouvido nos pergunta: “o que faz o palhaço sorrir?”, “você já se imaginou sendo um palhaço?”. Em seguida, uma das mãos vestida de luva vermelha nos entrega um nariz vermelho. O palhaço se despede fazendo estripulias. O espelho se move para que o/a espectador/a possa se ver no espelho transformado/a em palhaço/a. As mãos vestidas de luvas vermelhas pedem aplausos. Ao final, as crianças surgem na pracinha de Heliópolis com nariz de palhaço, o que faz com que em pouco tempo esteja ocupada por novos/as palhacinhos/as, como se tivessem saído de dentro de uma das caixas e agora estivessem ali interagindo com todos e todas.
Em “O circo de pulgas”, a fila não cessa, a caixa mais concorrida entre a criançada conta com a presença de um palhaço representado por Gustavo Guimarães Gonçalves, que maquiado, veste uma gravata amarela gigante e chapéu marrom. Essa é também a caixa cênica que mais solicita a interação do/a espectador/a, que participa da história ajudando com a colocação dos cones para o número das pulgas e aplausos, enquanto o artista fala diretamente com o/a espectador/a, ganhando cumplicidade e divertindo a todos e todas.
A chuva fina durante a apresentação não atrapalhou em nada o brilho dos Ciclistas Bonequeiros, que aqueceram essa tarde de feriado de finados, ao convocar nossas crianças e encher nossos corações de alegria. No teatro lambe lambe, não saímos com o registro fotográfico, mas certamente a memória que fica desse trabalho é de beleza sem fim.
Escrito por Carolina Angrisani, mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Artes da Unesp (orientanda do professor e pesquisador Alexandre Mate), pós-graduada em direção teatral pela Faculdade Paulista de Artes e licenciada em Artes Cênicas pela mesma instituição. Formada em arte dramática pelo Teatro Escola Célia Helena.