VAMOS FAZER ?! TUOV EM CENA:  UM GRITO POPULAR DOS “DESVALIDOS”, HISTÓRIAS DE ENGAJAMENTO, TRABALHO, TERRITÓRIO E COMPROMISSO COM OS VIVENTES DE UM BOM RETIRO.

por Everton da Silva José.

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Em data importante para a jovem democracia brasileira em risco, 30 de outubro de 2022, data marcada por ser o segundo turno das eleições para presidenciáveis e governadores do Brasil, lá está, TUOV – Teatro Popular União e Olho Vivo, na IV Mostra de Teatro de Heliópolis. Artistas do grupo, público, participantes, produtores do evento demonstram, antes do espetáculo uma ansiedade estranha, respiração, movimentos contra a barbárie e a importância da esperança. Atrizes, atores, músicos, brincantes a se preparar para o início do espetáculo, Bom Retiro Meu Amor Ópera Samba, dirigido por César Vieira e Rogério Tarifa. A data e a situação histórica nacional se impõem, todos os presentes aguardavam e vigiavam, não sem inquietação e, com esperança, otimismo, o grito preso na garganta contra o estado de coisas dos últimos anos sob a iminência do fascismo. Um grito de esperança cheio de futuro e prontidão aquecia nossos corações.

 

TUOV não se esquiva de seu compromisso de 56 anos de teatro popular e lutas político-sociais, se coloca em momento tempestivo para manifestar e desdobrar a sua força histórica que, de modo ímpar, à esquerda, atua resistente frente a atual conjuntura. A dimensão crítica concreta, participativa e popular é firmada com união e olho vivo, sobre bases sólidas de quem não se engana sobre o lado de quem está no front e, dessa maneira, renova-se, sem se resignar. TUOV! TUOV! TUOV!

 

O espetáculo desenvolve-se em uma estrutura formal episódica e alegórica, navega pela história do bairro paulistano Bom Retiro. A poética da obra atua de modo dinâmico entre sonoridades, canções, corpos vivos que conferem sentidos e significações aos trabalhadores e viventes do bairro composto por migrantes. A obra convida a força histórica dos construtores de um território, assim como das atividades humanas em sua busca por sobreviver com dignidade.

 

A Ópera Samba tece sambas, cantigas, hinos que se tornam o fio condutor e imprime ua poética musical em que as vozes são convidadas a cantar, a solfejar, a construir juntos.
Entre os sambas, ritmos e sonoridades estão mestre-sala e porta-bandeira, figurações alegóricas de Romeu e Julieta, entre eles Neriney Moreira em seus mais de 80 anos de idade, ator integrante do grupo desde sua fundação, a sua presença convoca a sensível força da arte e a persistência na luta pela liberdade, dignidade e solidariedade por meio do teatro.

 

Por travessias, rios, mares, a embarcação dos desvalidos se apresenta, entre eles estão as forças e atividades humanas de personagens típicas do território em que a peça se dedica a elucidar: ferroviário, mascate, costureira, meretriz e catadora, eentre outras figuras constituintes e constituidoras do Bom Retiro, bairro em que o grupo tem a sua sede a quase quarenta anos. O amor e respeito pelo território apresenta-se como um momento âncora, uma paragem que reveste, teatralmente, a realidade e o sonho… Pausa!

 

Um corte no espetáculo, o diretor Rogério Tarifa interrompe um ator, narra em seu ouvido algo inescrutável. Em seguida anuncia-se em cena e explode um grito uníssono de alegria, felicidade e esperança! Luiz Inácio Lula da Silva, presidente democraticamente eleito! Alívio, sorrisos, paixão, uma catarse coletiva toma os corpos! Em coro, como uma grande torcida corinthiana, gritos e odes ao presidente eleito são expressados por todos os presentes. TUOV em cena desprende em comunhão com a plateia o grito entalado do desejo por liberdade! A peça é retomada entre lágrimas e sorrisos, mas a sensação da barbárie e o fascismo opressor foi vencida! Estejamos atentos, mas não sem festejo coletivo por essa vitória.

 

No curso das narrativas sobre o bom lugar receptivo a todos os desvalidos, a musicalidade do espetáculo torna-se farol, paisagem luminosa, sonora e imagética, sensível e profunda através da força do canto coletivo navegando junto aos caminhantes. TUOV não foge à luta e, com o seu espetáculo composto de revolta e amor, um bairro toma novos contornos e, criticamente, faz ser evidenciado o processo histórico visível, no entanto, invisibilizado, contrastando a opressão das relações humanas e a exploração do homem pelo homem com o apagamento geográfico e social dos expropriados com, até mesmo, a possibilidade de amar.

 

Romeu e Julieta, obra clássica shakespeariana, vem transcrita ao universo paulistano para compor o espetáculo. Após a construção de expressões das condições históricas dos viventes do bairro, cujo tratamento poético-político confere dignidade aos sujeitos apagados da história, observa-se em uma oficina de costura e suor a impossibilidade do amor frente a alienação das atividades produtivas humanas, do impedimento da vida, do tempo próprio, dos afetos e sensibilidades, do amor entre os trabalhadores. A escravidão contemporânea do trabalho é rasgada no impedimento da realização do amor. Assim quer que vejamos a ordem dominante: “O Operário não ama, nem suspira paixão, o operário não sonha, o amor pode parar a produção”. Mas, atentamente, a artistada do TUOV grita: “O Amor é mais forte que um revólver!”

 

TUOV com a obra Bom Retiro Meu Amor Ópera Samba compromete-se, sem medir esforços na defesa da solidariedade popular, na confiança de gestar o futuro no e com o presente. A peça questiona-se: e o teatro, o sonho acabou? Nerynei grita em tom dramático e forte, com uma voz que atravessa o tempo: “Não! Não!”. O teatro não irá fechar! O futuro é concebido de intermitentes ações no presente, agora e com os olhos e mãos atentas! Não! a barbárie não permanecerá! O teatro não fechará! TUOV, TUOV, TUOV! Quem vem lá? A marcha do futuro marcada pela resistência expressada de modo indubitável na canção final do espetáculo: “Sou que nem soca de cana. Me cortem, que eu nasço sempre!” Viva o teatro popular! Viva TUOV!

 

Everton da Silva José atua como pesquisador, crítico, artista e professor. Doutorando no PPGA-IA-Unesp-SP sob orientação do professor Alexandre Mate. Desenvolve suas práticas no campo da história do teatro, estética e política, tendo como enfoque o estudo do teatro brasileiro.

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