[Na]Dança da Morte e Dumzé: um espetáculo cuja “cena final” terminou em uma roda de churrasco,

por Alexandre Mate.

O título conferido a esta leitura, mesmo parecendo guardar alguma metáfora, na verdade, corresponde ao de fato acontecido, após a apresentação do espetáculo que ocorreu na rua Caju de Heliópolis. O último espetáculo de rua, apresentado pelo Grupo Teatral ApanelA, nascido na bela Ribeirão Preto (SP), apresentado na IV Mostra de Teatro de Heliópolis_2022, pelo material consultado, se caracteriza de intervenção e de andança, mas, por questões de natureza técnica, ficou circunscrito apenas a uma curta quadra da rua mencionada da comunidade de Heliópolis.

 

Sem dúvida, a obra foi um acontecimento para muita gente, tanto para quem morava naquela rua como para aquelas que passaram a se chegar/ juntar ao espetáculo. O “cenário” do espetáculo foi surpreendente: casas “magrinhas”, altas, desafiando a gravidade; gatos “mansos”, que circulavam sem nenhum temor; cachorros bem curiosos; muitas e lindas crianças, que ajudavam a Morte a descobrir onde ficava o tal do Zé (a quem a Morte veio buscar; uma família fazendo seu churrasco na calçada e na rua; carrinhos de camelôs; transeuntes sem pressa (em razão, sobretudo, de ser um domingo, depois das 15h). “Cenografia” real, marcando um espetáculo cujo tema se caracteriza tradicional: a Morte (criada pela sensualíssima Ju Marques) vem buscar o malandro Zé (criado por Marlon Ferreira): a dupla funcionou muito bem e conseguiu aproveitar, como precisa ser, todas as participações do público.

 

Criada em processo colaborativo,  cuja direção ficou sob a responsabilidade de Paula Klein e João Paulo Fernandes, possivelmente, um aspecto que poderia ser revisitado diz respeito à dramaturgia, cujo dramaturgismo final é de João Paulo Fernandes. Em sendo um espetáculo popular, de rua, talvez se devesse buscar mais ação e menos texto. Texto falado poderia ser transformado em pantomimas, mais processos de esconde-esconde (e que a garotada adorou…), enfim, mais ações de natureza propriamente popular. Um segundo problema que precisa, mesmo, ser pensado e adotado, concerne ao uso de microfone. Perde-se muito das falas, sobretudo de Ju Marques.

 

Por último – e cumprimento o coletivo pela obra realizada –, e, evidentemente, na condição de sugestão, tendo em vista o embate entre a morte e a vida, e o ludibrio de quem vive (no caso o Zé), por que não propor, também, um desafio final, mesclando o tango com um ritmo mais caliente e brasileiro?

 

Longa vida ao conjunto e que venham muitos convites… Principalmente, há muita criança (assim como aquela de Heliópolis, no dia de apresentação) que precisa e merece vibrar com a linguagem teatral.

 

Alexandre Mate: Doutor em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/USP, professor do programa de pós-graduação do Instituto de Artes da Unesp/SP; pesquisador teatral e autor de diversas obras sobre a linguagem teatral.