A luta – Cia. Madeirite Rosa,

por Carolina Angrisani.

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É fim de tarde do Dia de Finados, parte do público caminha por entre os becos e vielas de Heliópolis até chegar ao Cine Favela. Por conta da chuva, a apresentação, que seria na rua, ocorreu em lugar coberto. As ruas de Heliópolis estão mais vazias que o habitual em um feriado, não há pipas no céu, nem jogo de bola na rua, os bares estão vazios. Faz frio.

 

A Cia. Madeirite Rosa, que leva esse nome em referência a uma madeira de coloração rosa de baixo custo muito utilizada na construção de moradias improvisadas, é constituída somente por mulheres e atuou inicialmente no território do Grajaú, extremo sul da cidade de São Paulo.

 

Existente desde 2013, a Cia. Madeirite Rosa dedica-se à palhaçada e ao teatro popular, entendido aqui por um teatro feito por gente trabalhadora, para/sobre/perto de gente trabalhadora, apresentando-se em ruas e espaços públicos.

 

De direção, dramaturgia e música criadas coletivamente por Cristiane Lima, Fernanda Donnabella, Liz Nátali e Rafaela Carneiro, A Luta tem o caráter de agitação e propaganda presente nas manifestações de agitprop no contexto da Revolução Russo-Soviética do início do século XX, que exerceram significativa influência sobre o trabalho de Bertolt Brecht, cujo objetivo principal era preparar o proletariado para uma revolução em que os trabalhadores e trabalhadoras estariam no centro das reflexões e poder.

 

A peça já vai começar! O coro de palhaças-atrizes inicia um cortejo musical no entorno do Cine Favela. Chega junto!, cujo refrão é “Tava dormindo e o tambor me chamou!”, é a música de chamamento e, logo, o público aparece e se junta ao cortejo caminhando em direção ao local da apresentação.

 

Em “A Luta”, por meio de uma luta de boxe, o que está posto em cena é a luta de classes. No ringue do capital, de um lado representando a elite dominante está a Sra S.A Corporation (Cristiane Lima), que enfrenta a faxineira Maria da Luta (Rafaela Carneiro), representando a classe trabalhadora. No primeiro round, Maria tenta fugir da luta, sem entender muito bem o seu papel social, até que, no segundo round, adere à greve e tenta negociar um aumento de 20% do salário na luta por uma vida mais digna. Tal luta é mediada pela árbitra Dona Norma (Luciana Gabriel) que, inicialmente, defende os interesses econômicos, políticos e sociais da classe dominante e que, em um segundo momento, também passa a reivindicar seus direitos como trabalhadora. A história é conduzida por uma Narradora (Diane Boda), que tenta evidenciar a exploração da força de trabalho de Maria.

 

Assim como nas peças didáticas de Bertolt Brecht, em “A Luta”, se aprende brincando, o jogo afinado entre as atrizes-palhaças e as versões parodiadas de músicas já conhecidas do público garantem a diversão e a reflexão sobre o que está sendo exposto em cena.

 

Mesmo tendo ocorrido em lugar fechado, a porosidade na relação com o público e com o que acontece fora de cena estava presente, as atrizes-palhaças trazem consigo a maturidade adquirida na experiência anterior de todos os espaços por onde passaram com a peça e suas trajetórias em outros coletivos do sujeito histórico teatro de grupo.

 

A dramaturgia expõe um percurso muito interessante da sujeita histórica Maria da Luta, ao flagrar o processo de transformação de sua condição de alienada à consciência de classe adquirida, expondo-a como sujeita capaz de transformar a si mesma e ao mundo. A personagem não demora a compreender a necessidade de se unir à gente trabalhadora como ela, convocando inclusive o público para a greve – “tamu junto na quebrada pra derrubar esse ringue capital”, ensina – “quando fizer greve, tem que botar fogo nos pneus que é pra ganhar visibilidade” e afirma – “se eu pudesse nascer de novo nasceria no coletivo”.

 

“A Luta” aponta na direção de um movimento futuro, ao falar de um “mundo que ainda não foi mudado”. E, certamente, essa mudança e as transformações sociais necessárias se darão por meio de luta coletiva!

 

Escrito por Carolina Angrisani, mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Artes da Unesp (orientanda do professor e pesquisador Alexandre Mate), pós-graduada em direção teatral pela Faculdade Paulista de Artes e licenciada em Artes Cênicas pela mesma instituição. Formada em arte dramática pelo Teatro Escola Célia Helena.

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