Dom PedrA, aqui nós é preta!
por Luiz Campos[1].
por Luiz Campos[1].
Foto: Noélia Najera
De peito e corpo aberto dentro da arena, lá estava ele, ela, eles, elas, pretas e pretos suado, babado… Visceral! Sozinho? Nem um pouco! Clayton Nascimento estava muito bem acompanhado com Ágata, Amarildo, Bessie Smith, Machado de Assis, Terezinha, Eduardo, Buraquinhos, Chico da Matilde e até mesmo os Jangadeiros.
O espetáculo solo Macacos, escrito, dirigido e interpretado por Clayton Nascimento, pela Cia. do Sal, mesmo que virtualmente, de forma épica e dialética, nos empurra de maneira necessária para dentro de um enorme tumbeiro, para nos fazer enxergar de forma poética, objetiva, didática e política – não se omitindo e assumindo seu lado -, suas feridas particulares e as feridas de um número imponderável de pessoas que não podem falar.
Clayton é narrador, é Terezinha, é Eduardo, é Carlota Joaquina, é policial, é criança, é indígena, é o que julga ser indispensável no palco para nos conduzir, com toda paciência e didática necessária, os percursos do genocídio preto no Brasil. Tudo o que está posto é milimetricamente posicionado. Clayton dá nome aos sujeitos da sua narrativa, seja para Terezinha Maria de Jesus, ou para DomPedrA. Com um batom, ele risca sua pele e faz da sua anatomia uma geografia própria do nosso país. Clayton é o desenho do Brasil: preto! Assim, Macacos, mesmo que com palco vazio, vem com uma riqueza de múltiplas alegorias imaginárias a todo tempo, que preenche o espaço de representação com representatividade e coloca o dedo na ferida da “paz branca”. Macacos estremece e consegue se tornar a materialidade em tudo que apresenta com coragem e força.
Se alguém por acaso me pedir uma explicação, resumida, da história não contada brasileira vou falar: vá assistir Macacos. O coletivo reconta a história do Brasil em quatro partes (1 – chegada dos colonizadores, 2 – Leis de segurança pública, 3 – Leis da educação, 4 – Fim da escravidão) que nos faz entender e não se orgulhar de como viemos parar aqui. Ou melhor: ele esfrega nas nossas caras os motivos que nos trouxeram até aqui. Aliás, se as classes dominantes e reacionárias do nosso país tivessem a oportunidade e o interesse de assistir a esse tipo de espetáculo, seria uma colaboração necessária nos tempos atuais. Talvez esse seja um dos papéis da arte e dos movimentos de teatro de grupo.
Não deixando de mencionar, a Companhia de Teatro Heliópolis, já um tempo tem esse papel fundamental de responsabilidade e consciência social, seja nos seus espetáculos, ou nas suas ações. A III Mostra de Teatro de Heliópolis reafirma esse compromisso nos espetáculos escolhidos e nos alimenta de uma troca significativa e não nos deixa esquecer que não estamos sozinhos nessa luta. A Cia. do Sal, com Macacos, nos acerta e nos sacode, fecha simbolicamente os espetáculos dessa expressiva mostra, num Brasil onde não temos muita coisa para comemorar, mas sim refletir e resistir.
Viva macacos, viva a Mostra de teatro de Heliópolis, viva o Teatro de Grupo.
[1] Ator, diretor e pesquisador teatral. Doutorando em Artes Cênicas pelo Instituto de Artes da UNESP e em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Teatro pela Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ) e graduado em Artes Cênicas pela Faculdade Paulista de Artes. É integrante fundador da Cia. Los Puercos e integrante do Grupo XVII de Teatro.